segunda-feira, janeiro 08, 2007

Do outro lado do balcão

Quando eu fui trabalhar na Folha, vinda da assessoria de imprensa do DSV-CET, enfrentei um baita preconceito, nem ao menos disfarçado. Me achavam uma jornalista "menor" na Folha, só pq eu tinha passado pela assessoria de imprensa. Sofri bastante com isso. Isso foi há muito tempo, no século passado, literalmente, quando a Folha decidiu adotar o primeiro Manual de Redação (que eu tive que ler e decorar de um dia para outro). Quando chic para os homens era usar a camisa abotoada até o último botão e sem gravata, aquele estilinho que todos na redação se esforçavam por reproduzir, vigente por influência do Big Boss da Barão de Limeira.

E nem deu tempo de mostrar meu valor. Eles acharam que ia demorar muito pra eu ser uma boa repórter, porque "jornalista eu era - ter feito a faculdade não queria dizer que eu fosse jornalista!! - mas ainda não era uma boa repórter". Agora, alguém aí pode me apontar uma pessoa que acaba de sair da facul e imediatamente é um "bom repórter"?

Mas o fato é que por mais que eu repita essa história anos a fio, a verdade é que isso ficou gravado na minha carne, que nem ferro em brasa. Nunca cicatrizou essa ferida, essa é a verdade.
Mas o mundo dá voltas. E mais voltas. E agora, tô tendo a chance da minha vida, em um frila muito legal. A chance de provar pra mim mesma que posso ser uma boa repórter. Mas o fato de ter ficado tantos anos em assessoria - devo admitir - atrapalha.

Eu sei direitinho como funcionam os bastidores da "notícia". Sei como as notícias são plantadas, as pautas vendidas, e, conseqüentemente, os jornalistas comprados. Não comprados com dinheiro, não, nem tanto. Mas comprados com convites para viagens, e até com entrevistas exclusivas e antecipadas, com os bambambãns do mercado. Por isso, eu queria escrever um livro - e nem tenho medo que roubem a idéia, porque quase ninguém acessa aqui o efeito pimenta... Mas acho que o nome do livro deveria ser "A Gaiola de Ouro", porque todos os empresários, os diretores de empresas, as pessoas que dão entrevistas, passam por media trainings que colocam assim um "verniz" nelas e na sua espontaneidade. Dessas pessoas pouco se pode tirar, além do que estiver estabelecido pelo plano de PR (lê-se PI-AR). Então eu me questiono pra que - ou melhor - pra quem - servem as notícias, os jornais, as revistas?? Por mais que os jornalistas, ingênuos e novinhos, recém saídos da facul, acreditem, na sua arrogância, algumas vezes, que sua profissão é importante para salvar a Humanidade e coisa e tal... infelizmente, meus queridos, nossa profissão só ocupa os vazios que o pessoal de PR das companhias deixa vago para circularmos com nossos bloquinhos de anotações e nossa empáfia. Intelectualóides que se acham acima do bem e do mal, somos, na verdade, simples instrumentos produtores de relatórios de clippings que ajudam, tão somente, a aumentar o fee das assessorias mais espertas, que fazem sempre um trabalho "diferenciado" da concorrência.

Somos meros instrumentos escrevinhadores de reportagens que repetem as key messages definidas pelos diretores de comunicação das empresas, esses sim os verdadeiros poderosos por detrás das notícias. E eu falo isso porque não tenho nada a perder. Estou na chuva p/ me molhar e nem me excluo dessa "festa" às avessas. A diferença é que eu sei o que tá acontecendo.

Os leitores, coitados, esses ficam em último plano. Eu arriscaria a dizer que hoje, tudo o que é veiculado na imprensa resulta de cuidadosos e ardilosos planos de comunicação que fariam corar o mais puritano jornalista. Conceitos como "liberdade de imprensa" ficaram esquecidos nos empoeirados bancos escolares que freqüentei, na ECA dos anos 80. Amarga, eu? Pode ser. Talvez esse seja um dos efeitos que o avançar da idade nesse mundo "corporativo" provoca nas pessoas. Imagina se ia dar certo aquele cargo que almejei um dia, numa dessas empresas... Possivelmente eu ia ficar doente, somatizando as diferentes pressões, os joguinhos de poder que correm nos bastidores da notícia... Tenho muito ainda a contar. Por isso, a idéia do livro. Quem sabe, um dia...

Enquanto isso, caros gatos pingados, recomendo veementemente uma leitura deliciosa: Dentro da Floresta, de David Remnick, editor da The New Yorker, que faz perfis como ninguém. Porém, as assessorias de imprensa adotam as políticas de comunicação internas das companhias, que são contra esse tipo de coisa. Jornalismo de qualidade está fora de cogitação nos corredores das empresas. Que pena, não?? Perdem os leitores, perdem os jornalistas, perdem as próprias empresas, que se limitam à tábula rasa das matérias provenientes de apressados e mal redigidos press releases...

Pois é. Nada como um pouco de "efeito pimenta" pra começar o ano de 2007 em grande estilo!!!