quarta-feira, março 06, 2013

Trabalho em campo

Uma vez fui fazer uma palestra em uma universidade e passei a trocar uns e-mails com uma das alunas que me viu falar. Logo depois, ela me pediu um depoimento para um trabalho da faculdade, sobre "trabalho em campo". Olha só o que escrevi, em 2008:


Trabalho em campo me lembra meu "trauma" no jornalismo diário, quando trabalhei na Folha de S. Paulo (foca total) e fui cobrir um incêndio em uma favela. Seria a manchete do jornal no dia seguinte. Naquele dia, meu destino ficou traçado: eu não serviria para esse tipo de cobertura. Era um tempo (1983) em que não existiam os celulares, os jornalistas escreviam em máquinas de escrever embutidas dentro das mesas, na redação do famoso prédio da Barão de Limeira. A agenda de telefones da redação era conhecida como "seboso", e por aí vai. Do meu lado, trabalhavam outros "focas": o Ivo Patarra (filho de um jornalista famoso, com quem nunca mais tive contato) e a Kátia Militello (hoje ela é diretora de redação da INFO). 
Meu filho já tinha nascido, tinha sete meses. Meu horário era das 8 às 15hs. Mas o horário que deveria ser respeitado era apenas o de entrada (a gente batia cartão).
Naquele dia, vi a Luiza Erundina em cima de uma cadeira, fazendo discurso aos moradores da favela, que tinham perdido tudo o que possuíam. Naquele dia, tentei ouvir o que o então prefeito de São Paulo dizia (Mário Covas), com aquela voz rouca dele, devido ao tabagismo. Não ouvi uma palavra. Tentei falar com o chefe do Corpo de Bombeiros - capitão Poderoso (lembro até hoje do nome bordado na farda).
Resolvo voltar para a redação. O fotógrafo já havia terminado seu trabalho. As chamas já tinham baixado. Nunca antes eu havia visto coisa igual. As chamas tinham uns 4 metros de altura... As pessoas atônitas, tentando salvar o que podiam, gente correndo, crianças chorando. Mas nada disso importava pra "reportagem".
- Quantos mortos? - pergunta o chefe da redação, quando me vê.
- Não sei! - respondo, com cara de boboca.
- Como assim não sabe? Essa vai ser a manchete do jornal de amanhã!
Morreu ali minha carreira jornalística "de campo".
Tentei obter a informação com alguns telefonemas, mas o que eu queria mesmo era voltar pra casa, ver meu filhinho.
Escrevi minha matéria, entreguei e fui embora, bem mais tarde do que seria o meu horário.
No dia seguinte, cada jornal dava um número diferente.
 
Foi uma péssima experiência. Pensei mesmo em abandonar a carreira de jornalismo ali mesmo, mas ainda bem que existem várias editorias. Hoje, feliz, trabalho na área de tecnologia. Ela já me proporcionou três viagens aos Estados Unidos (Seattle, Carolina do Norte e Las Vegas). Isso também pode ser considerado trabalho de campo??
 
Quando eu estava na faculdade (ECA-USP), eu achava que o trabalho de campo tinha muito valor. Sonhava em fazer altas reportagens, jornalismo investigativo. Mas, na prática, vejo que hoje em dia quase não existe mais esse tipo de cobertura. Depois que trabalhei na assessoria de imprensa da Intel, durante três anos, percebi que as notícias são totalmente "plantadas" e que os jornalistas, na maior parte das vezes, são apenas "joguetes" na mão dos executivos e estrategistas de marketing e de PR (Press Relations) das corporações. Infelizmente e para minha tristeza e decepção.

Um comentário:

  1. Olá Silvia. Obrigado pela palestra sobre Assessoria de Imprensa, aos alunos da Faccamp( JO). Importante a troca de ideias e experiências.

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